Artigo

O Escorrega do Parque

Talvez sonhar seja algo que pela sua força vai para além da vida, há sonhos que duram mais do que uma vida inteira, acontecem para nos mostrar que somos algo mais do que seres pensantes, somos seres emotivos.

Ainda ontem era criança, e sonhava, talvez em brincar, talvez em ter aquele brinquedo famoso que todos tinham e eu não tinha e por isso pedia ao meu pai, à minha mãe, ou à minha família.

Com isso crescemos, não com os brinquedos na mão, mas agora guardados na cave para um dia ainda poder brincar.

No entanto somos crianças para toda a vida, mesmo parecendo que não, apesar de termos uma postura à medida da profissão que ocupamos e da responsabilidade que somos confiados, temos sonhos, como aqueles que tínhamos quando éramos crianças. Talvez do nada, sem pensarmos nos problemas da vida, encontramos o nosso verdadeiro amor, e torna-se no maior sonho da nossa vida, aquele que agradeces por ter aparecido na tua vida e se ter tornado o porto de abrigo, aquela sensação de tranquilidade, de felicidade, quando penso nessa pessoa e que quero que seja assim para sempre, mesmo estando longe.

Todos os dias damos mais uma volta no escorrega, como fazíamos no recreio da escola. Queremos andar no escorrega cada vez mais depressa, amar mais depressa. A verdade é que a pressa é relativa. O tempo é relativo.

Há sempre algo que nos puxa para as menores coisas do Mundo, as que poucos dão importância como os sentimentos, o amor, e são elas que nos fazem grandes, não é? Talvez digamos sem saber a melhor declaração de amor que pode existir no mundo: “Toma, é para ti!”. Talvez esse “toma” era aquela peça de lego daquela casa, ou até um convite para dar uma volta no escorrega. Talvez ele disse que não, mas foi.

No dia seguinte ela pediu-lhe para quando ele acordasse, que a chamasse pelo nome, para poder sentir que era a mulher mais feliz do Mundo. Ele disse que não, mas acordou ainda mais cedo para chamar baixinho pelo nome dela, e tiveram tempo de ir ao escorrega, e desceram ainda mais rápido, como nunca.

Num outro dia ela pediu-o em casamento e ele disse que não, ele pegou pela mão dela e casaram-se nesse mesmo dia e não na data marcada quase um ano depois, e deram mais uma volta no escorrega que agora deslizava, como nunca.

Um dia, já após muitos e muitos anos juntos, quando as bengalas auxiliavam o peso da idade, ela teve de ser internada no hospital e perguntou-lhe se queria morrer com ela, ele disse-lhe que não, deram a última volta naquele escorrega, e ele morreu no lugar dela, consegui-a salvar da doença, doou-lhe o que tinha, o seu coração para ela viver mais uns anos.

Porque no fundo o que interessa não são as palavras, são os actos, o que sentimos, o que trocamos, o motivo pelo qual somos felizes, o que construímos, o amor que damos, e o que deixamos ficar gravados na nossa história que um dia alguém irá recordar nas próximas gerações, que esse amor verdadeiro poderá, um dia, antes de uma dessas voltas no escorrega, criar.

O escorrega irá andar sempre cada vez mais rápido, talvez não demos conta disso, mas aquele rapaz tinha essa noção, por isso, talvez, aquele “não” era o medo de sentir essa realidade. Aquela rapariga talvez também sabia, soube compreender e todos os dias não deixava de ir ao escorrega dar mais uma volta e dar sentido à recordação dos velhos tempos.

Acabo como começo, as crianças crescem, mas nunca deixam de ser crianças, crianças com sonhos eternos.

2 JAN, 2017 0

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